Observação: Essas aulas foram em sua maioria gravadas em vídeo porém, dificuldades técnicas fizeram com que muitos desses arquivos se perdessem. Alguns foram recuperados e estão no canal do professor no Youtube. Acesse o canal clicando nesse link.


Na aula anterior nos dedicamos a entender um pouco sobre as duas abordagens “terapêuticas” na relação com o sofrimento. Porém, estas abordagens ainda estão relacionadas à consideração causa-efeito.
Hoje, vamos trazer um novo componente para esta reflexão. Além de nos debruçarmos sobre a compreensão de quais os sintomas e qual a causa de nossas aflições, precisamos pensar também sobre um outro nível de experiência presente em nossa vida. Vamos a ele.
Do ponto de vista do yoga, há um espaço dentro de nós que não está preso às relações causa-efeito. Por mais que perder um emprego, receber uma notícia triste sobre um amigo próximo ou passar por qualquer experiência dolorosa provavelmente nos deixará abalados, a realidade do indivíduo nunca se reduz a isso. Ou seja, há algo em nós que não é afetado por isto. Há um espaço livre em nós, um espaço que jamais se perturba. Esta dimensão é pouco explorada em muitas abordagens terapêuticas, talvez porque tomem por base a sensação de desequilíbrio, sensação esta que acaba por nublar a dimensão mais livre. A pergunta mais natural neste momento seria: de que me adianta uma dimensão mais livre se minha sensação é de perturbação? Esta pergunta, central no questionamento a respeito dos vários níveis do indivíduo, é importante para que possamos entender a necessidade de nos conectarmos a este espaço interno. E, na verdade, nossa participação é decisiva, pois a vivência ou não desta dimensão depende do quanto amadurecemos este vínculo. Quando vemos as várias formas como diferentes pessoas reagem à mesma situação externa, entendemos o quanto a resposta a um fator externo é relativa. A partir de um olhar mais sensível veremos que esta dimensão intacta está sempre à nossa disposição, porém pode num momento estar um pouco mais escondida do que em outros. Em certos momentos sentimos que determinada notícia quase nos “destrói por inteiro” enquanto que em outro momento ela é apenas “um pedaço” da nossa realidade emocional. A sensação de sermos destruídos por algo vem de um engano mental que é a base de nossos conflitos, o temporário é tomado como permanente.
Este espaço, chamado coração (hṛdaya)devido à sua independência e liberdade, nos traz conforto, bem-estar, acolhimento. Já quando nos desconectamos dele, sentimos como se olhássemos nossas perturbações através de uma lupa, elas passam a ocupar um espaço que, na verdade, não pertence a elas. Há um sentimento que é muito vinculado a este lugarzinho sobre o qual estamos falando, é a confiança, a fé (śraddhā)A confiança está além da lógica, ela às vezes pode ser surpreendente e nos levar numa direção que a lógica não levaria. Há muitas situações de pessoas que passam por várias adversidades em seu caminho e, mantendo a confiança de que chegarão ao seu destino, acabam por surpreender. Se nos limitarmos apenas à dimensão de causa-efeito, não chegaremos ao mesmo lugar.
Infelizmente, na esmagadora maioria das situações, somos levados pela maré. Nossos medos, inseguranças, apegos, acabam por nos convencer a escolher uma direção que não nasce da confiança. E sempre é bom lembrar que o caminho à nossa frente se constrói a partir de nossas escolhas…

 

Versos base:

yogasūtra I.20 – śraddhā-vīrya-sṃrti-samādhi-prajñā-pūrvaka itareṣām
Tradução e comentários de TKV Desikachar (no livro “O Coração do Yoga”) a respeito do verso:
“I.20 – Através da confiança, que nos dará suficiente energia para atingir o sucesso apesar de todos os prováveis desafios, a direção será mantida. A realização do objetivo do Yoga é uma questão de tempo.”
O objetivo é a habilidade de direcionar a mente para um objeto sem nenhuma distração, resultando, com o tempo, numa compreensão clara e correta do objeto em questão.
A fé, a confiança, é a convicção inabalável de que podemos chegar naquele objetivo. Não devemos ser iludidos pela complacência perante pequenos sucessos ou desencorajados pelos fracassos. Devemos trabalhar firme e estavelmente em meio às distrações, pareçam elas boas ou ruins.

yogasūtra I.24 – kleśa-karma-vipāka-āśayaiḥ-aparāmṛṣṭaḥ puruṣa-viśeṣa īśvaraḥ
Tradução e comentários de TKV Desikachar (no livro “O Coração do Yoga”) a respeito do verso:
“I.24 – Deus é o ser supremo cujas ações nunca estão alicerçadas no engano.”

yogasūtra I.36 – viśokā vā jyotiṣmatī
Tradução e comentários de TKV Desikachar (no livro “O Coração do Yoga”) a respeito do verso:
“I.36 – Quando refletimos sobre o que é a vida e o que nos mantém vivos, podemos encontrar um acolhedor refúgio para nossas distrações mentais.”
A consideração de coisas que são maiores do que nossa realidade individual nos ajuda a colocar a nós mesmos na perspectiva apropriada.