Não tenho nada contra o ambiente acadêmico em si, mas não consigo admirar a forma como tem se transmitido o ensino nas áreas humanas e biológicas (e mais especificamente nas área ligadas ao estudo da mente). Se queremos preparar seres humanos precisamos mais do que professores que são obrigados a se preocupar com o conteúdo e sequer conhecem seus alunos. Queremos futuros profissionais repetindo textos ou pensando o homem e a sociedade?
Nosso sistema educacional tem privilegiado muito a massificação do ensino, há pouco espaço para a criação da crítica, da discordância, do debate. A proximidade e a intimidade entre professores e alunos é mínima. Eu disse intimidade? Sim, a intimidade é um fator imprescindível na educação verdadeira. Não há comunicação profunda sem intimidade, e sem comunicação profunda não há aprendizado. Nos habituamos a chamar de aprendizado algo que não merece este nome, nos acostumamos com pouco. Ambiente educacional é muito mais do que isso que temos experienciado.
Ao entrar na academia, um estudante traz a expectativa de sair dali “formado”, de ser educado na área de seu interesse. Ao longo do seu curso passará por dezenas de professores, esquecerá do nome de muitos destes e os professores, por sua vez, não terão condições de lembrar do nome de 10% destes alunos. Devemos lembrar que a formação de um profissional das áreas humanas ou biológicas, por excelência, exige o desenvolvimento de um ser humano de forma integral. Os cursos são catalisadores deste processo pessoal. Porém, sem relações verdadeiras de ensino e aprendizado, o que teremos? Alunos órfãos, aprendizados estéreis.
Já seria um grande passo se fôssemos capazes de reconhecer que o ambiente acadêmico não tem condições de construir um profissional, ele pode apenas contribuir no refinamento de um profissional (na melhor das hipóteses). Torná-lo alguém capaz de exercer ou não determinada profissão da área humana ou biológica está além do alcance da educação formal, pois seu sucesso (me refiro a sucesso real, sucesso em sua empreitada interior e não, necessariamente, reconhecimento) dependerá infinitamente mais da sua coragem de mergulhar em si mesmo e questionar seu mundo do que da sua habilidade de estudar vários livros. Sei que essa realidade não se limita ao meio acadêmico, mas considero que ele seja um bom exemplo para analisarmos esta questão. Mesmo o conhecimento psicológico do yoga, que tem sido muito pouco compreendido em nossa cultura (inclusive no próprio meio do yoga), tem sofrido, modernamente, de um mal parecido. E é, na verdade, por esse motivo que eu me proponho a analisar essa situação.
Mas, ainda assim, alguns alunos órfãos sobrevivem. Minguam, lutam e sobrevivem. E esses alunos, que têm real desejo de aprender e são leais a sua a ânsia de compreender mais e mais, têm chances de realizarem seu propósito. Esses alunos continuarão sempre sendo alunos, continuarão se reconhecendo como tal mesmo ao assumir um papel de educador/professor. Serão professores que exercem seu papel de forma consciente, que incitam reflexão, incitam dúvidas. Que esses sobreviventes revolucionem a educação, que cresçam em número, que tenham força, que dêem vida à educação. O mais nobre objetivo de um verdadeiro professor é acordar o aluno, nutrir o aluno, pois é dificílimo ser e saber manter-se aluno. Um professor, no pleno exercício de sua atividade, aprende a aprender, ensina a aprender, não aprende a ensinar e nem ensina a ensinar. Quem faz o professor é sua alma de aprendiz, a capacidade de ensinar é mero fruto do amadurecimento do pensar. Ensinar a ensinar é possível, mas alimenta o medíocre. Já ensinar a aprender dá lugar à manifestação da sabedoria. Um limita, outro liberta o ser humano.
Tenho pensado muito a respeito da palavra sânscrita “antevāsin”, um conceito básico para a correta compreensão da educação em yoga. “Antevāsin” significa “aquele que vai até o fim”. E onde é o fim? O fim é longe…é para onde aponta aquele que ensina. Essa palavra sânscrita traz a idéia de que, se eu pretendo aprender, devo me submeter verdadeiramente ao aprendizado. Parece óbvio, mas na prática não é. Submeter-se é uma palavra forte, às vezes traz medos. E não é à toa. É necessário cuidado para escolher ao que se submeter. Mas, como diz a canção de Bob Dylan que tem sua versão em português escrita por Vitor Ramil “Seja a Deus ou ao Diabo, um dia você vai servir alguém”. No contexto da educação precisamos repetidamente nos perguntar se servimos à busca da verdade. A verdade pode até, em certas situações, vir perfumada com alguma surpresa confortável, mas haverá situações em que ela virá acompanhada de surpresas desagradáveis ao primeiro olhar. Que neste momento não oremos por uma mentira.
É na experiência desagradável que o aluno se mostra, pois ele sustenta sua procura mesmo diante do desprazer. Seu objetivo é o amadurecimento, o aprendizado, não o fruto agradável ou desagradável. Sua alegria é seu crescimento, é se conhecer.
Que ninguém tenha êxito ao tentar nos ensinar a ensinar e que nós, seres humanos, encontremos em nosso caminho pessoas que nos ajudem a reconhecer que não há outro caminho senão aprender. Que continuemos, apenas, a aprender a aprender.
Agradeço, de coração, ao professor que me ajudou a amadurecer essa compreensão, que me mostrou isso vivo, TKV Desikachar. Sem ele eu não teria vislumbrado o sentido da palavra educação.
Que reflexão maravilhosa, Jorge!
Que benção poder ter o coração cheio de ânsia por aprender!